Vivaldo S. Melo / ACS - Foto - Sirnay Moro
A India da Praça
A escultura da Índia Terena, na Praça dos Estudantes, tem sido o centro de várias discussões. Como vivemos numa democracia, é importante que o povo fale.
Isto, contudo, não muda algumas coisas. Uma delas enfatizada na fala do próprio Cleir, o artista que desenvolveu o projeto: uma obra reflete a visão particular do seu criador.
Daí, a relevância de uma pergunta: Que índia é essa, diante da qual centenas de fotos tem sido tiradas e que está presente em várias mídias, especialmente blogs e orkuts?
Ouso dizer, com todo respeito e sem fazer apologia, que os que criticam a obra desejaram a reprodução de formas joviais, quem sabe exalando sensualidade, bem no espírito do hedonismo que predomina em nossa “cultura branca”.
Essa índia-objeto, porém, historicamente desrespeitada, usada, escravizada, não honraria a história da etnia terena nessas bandas do pantanal.
Arriscando uma interpretação particular, pelo simples desejo de me manifestar, vejo a Índia da Praça como “a índia velha” idealizada pelo meu conterrâneo – artista, poeta e escritor e “desvendador” de almas – Emmanuel Marinho.
Neste que foi o seu primeiro poema, desnuda-se uma índia que sofre as conseqüências de uma sociedade repressora e punitiva, como lembra o mestre Carlos Alberto Correia, da UFMS.
A Índia da Praça evoca lembranças e conteúdos de uma mulher – e por extensão uma raça – com direito a fala, mas que só agora o faz, mesmo sem quaisquer pronuncias. Quando a vejo penso em uma história de lutas.
É possível dizer, portanto, que ela materializa a trajetória de um povo que desejou ser feliz, quando aqui se estabeleceu, num passado longínquo – do seu jeito/com seu jeito – sem nunca consegui-lo de maneira plena.
Neste sentido, a escultura pode ser vista como uma forma de dizer: “Estamos aqui. Queremos ser vistos como somos e não do jeito que vocês querem”. A india nova, produzida, que alguns desejavam ver num canto da Praça, seria uma negação da história.
A velha índia, porém, é a síntese perfeita desta história. E pode despertar no povo de Aquidauana, doravante, o sentimento correto do respeito e quem sabe até da reparação pelo mal que já se fez.
Ao darmos a ela a voz que foi suprimida por tanto tempo e por tantos motivos, fazendo cair por terra o preconceito vil – de vê-la como parte de uma sub-raça – criaremos condições, no futuro, para que outra índia seja erigida, essa sim jovem, representando a nova visão que se criou com a presença da “velha índia”: ideal, justa e digna!